Um "cadinho" de mim

São Luís, Maranhão, Brazil
Rita Luna Moraes Assistente Social e Bacharel em Direito. Servidora pública federal aposentada.

domingo, 10 de junho de 2012

Carta à amiga Franci


Caríssima Franci [1],

Meu profundo desejo de que esta mensagem encontre você e sua família com saúde, para que possam aproveitar o que a vida nos oferta de melhor.
Quando penso em escrever uma Carta a um querido amigo ou amiga, sempre lembro da música do Chico Buarque e Francis Hime "Meu Caro Amigo" [2]: pela representação histórica em que foi composta - época da ditadura militar, exílios, desaparecimentos e mortes de tantos que não podemos esquecer. (Já aproveito para dizer que nós, os que conhecemos parte dessa triste história, devemos nos manter atentos e mobilizados em face dos trabalhos da “Comissão da Verdade”, para que seja menos simbólica e traga à luz do dia o resgate de nossa memória, ainda que indigna, mas nossa.) Mas também porque é uma música “epistolar, um samba-choro de inflexão noelesca[3]. E adoro Cartas, Noel e Chico e fica “mais leve” a vida com música...
Voltando à inspiração musical, especialmente quando diz Uns dias chove, noutros dias bate sol/Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta/Muita mutreta pra levar a situação/Que a gente vai levando de teimoso e de pirraça/E a gente vai tomando, que também, sem a cachaça/Ninguém segura esse rojão/Meu caro amigo eu não pretendo provocar/Nem atiçar suas saudades/Mas acontece que não posso me furtar/A lhe contar as novidades, sigo daqui, de nossa amada São Luís do Maranhão, a comentar as boas novas e outras nem tanto.
Ainda no tema daquela “verdade histórica” (que me é tão caro), assisti estarrecida à entrevista do ex-Governador de São Paulo, Paulo Egydio Martins[4], que declarou o que já sabíamos, mas que revelada por esta “autoridade”, causa maior indignação e instigação: o jornalista Vladimir Herzog foi assassinado e sua morte maquiada. A entrevista traz ainda outros detalhes desse período e acrescenta mais fatos à história que ainda pouco conhecemos, mas que vai sendo desvelada. Recentemente, notícias deram conta de que militantes contra a ditadura foram queimados em fornos de usinas de açúcar e Marcelo Rubens Paiva escreveu sobre o que fazer com a informação do endereço do algoz da tortura e morte de seu pai[5] e sua particular visão sobre a instalação da Comissão da Verdade.
Bem, vamos às notícias da terrinha querida: nem precisava falar sobre o que tem sido noticiado do nosso Estado em rede nacional, mas é imperioso! Estamos vergonhosamente na liderança negativa de conflitos agrários e trabalho escravo e problemas graves na saúde, educação e transporte públicos, para ficar no mais recente noticiário.
Há pouco tempo, assisti à recente entrevista do Senador e ex-Presidente da República José Sarney na TV Guará, disponível no canal de vídeos Youtube. Em certo momento, emociona-se ao lembrar com tristeza da veiculação de notícias ruins para o país sobre o nosso Estado. Mais recente ainda, li a entrevista do ex-deputado Freitas Diniz ao Jornal Vias de Fato[6], na qual analisa a história política de nosso Estado, nas últimas cinco décadas. Ao lado dos artigos do historiador Wagner Cabral, disponíveis no mesmo jornal, servem como contraponto ao que nos disse o Senador. Ainda vou ler a biografia dele: sou assim, busco conhecer o diverso, sem nenhum preconceito, mesmo não concordando com o (s) autor (es) ou o (s) texto (s). Para, além de conhecer, poder emitir meu pensamento crítico. (Haja tempo para tanta leitura e estudo...)
Pois é, minha amiga, o que já estava ruim, décadas atrás previsto com a implantação do Projeto “Grande Carajás”, caminha para o pioramento com a instalação de outros tantos “grandes” Projetos desenvolvimentistas, tanto na ilha como em diversos municípios.  Agravam-se os despejos forçados de comunidades, posseiros, quilombolas e indígenas, que vem sendo “expulsos” de suas terras e moradias. As lideranças mortas ou sob ameaça de.
Mais que triste que o Senador, eu, humilde cidadã ludovicense e maranhense, vejo-me envergonhada por sermos uma terra, tão rica e tão pobre, apresentando indicadores do século XIX e a cada dia com perspectivas de agudização de seus problemas estruturais. Não me deterei a estes, porque de todos nós conhecidos.
Na semana do Dia Mundial do Meio Ambiente e às vésperas da Rio+20 (Conferência da ONU), sucedendo à polêmica do Código Florestal, estive, por dever acadêmico, estudando a Lei de Crimes Ambientais e, no capítulo que trata da preservação do Patrimônio Cultural, sob a inspiração das matracas e dos pandeirões, refleti que “toada de boi pode ser crime ambiental”, tal a descaracterização das recentes letras, a exaltar os “padrinhos políticos” das brincadeiras ou tratar de temas que não a história de Catirina e Pai Francisco. Ora, se o “Bumba-meu-Boi” (e também o “Tambor de Crioula”) é “patrimônio imaterial” a sua não preservação cultural constitui “crime ambiental”. E olha que sou adepta de “licença poética” - o que não é o caso. (Pretendo aprofundar esta reflexão.) Fico também “vexada” quando encontro mais cerveja do que mingau de milho nos arraiais; ou mais churrasquinho que bolo de macaxeira. (E sabes bem que adoro uma cerveja...) Comentei nesta semana, que ninguém mais me ofereceu para comprar “votos de Rainha Caipira”. Que Santo Antônio, São João, São Pedro e São Marçal protejam-nos!
Há boas novas, como disse: nesta semana, foi inaugurado o Cine Teatro Municipal (no antigo prédio do Cine Roxy, lembras, não?). Restaurado e ocupado, aquele local poderá trazer de volta as pessoas para aquele pedaço de chão. Caminho muito pelo Centro da cidade e assisto à degradação de espaços que conheci vivos. Assim, celebro qualquer iniciativa de resgate. Neste novo espaço histórico-cultural inicia hoje, 10 de junho, a 35º edição do Festival Guarnicê de Cinema, com a veiculação gratuita de filmes e uma exposição fotográfica sobre São Luís. Haverá ainda uma justa homenagem aos cineastas maranhenses Murilo Santos e Euclides Moreira Neto, que tanto me influenciaram a gostar dos filmes locais. A grande dama-atriz Marília Pêra será a homenageada nacional.[7] Digno de destaque que haverá programação que incentiva estudantes da rede pública a assistirem os filmes. (Sempre acreditei que educação é muito mais do que frequentar aulas convencionais).
Pareço saudosista? Para os que não me conhecem bem, sou plenamente “conectada” a novas tecnologias e conhecimentos; contudo, julgo que a preservação da nossa história, em seus diferentes matizes, nos fazem avançar mais seguros em direção ao futuro.
Ainda teremos, nesta semana, a II edição do Festival Internacional Lume de Cinema[8], com  filmes que não são vistos nos Cine-Shoppings, no especial Cine Praia Grande. Ano passado, quando da I edição, vi filmes maravilhosos e inesquecíveis. Minha singela reverência ao cineasta maranhense Frederico Machado, pela incansável luta para a produção do Festival, com nenhum apoio público e pouquíssimo privado. Digo que terei 2 semanas de “overdose” de Cinema. (De novo, haja tempo...)
Impossível não mencionar o texto de meu amigo Zema Ribeiro sobre nossa "miséria cultural" oportuno nestes 400 anos -no link http://zemaribeiro.com/2012/06/09/nossa-miseria-cultural-ou-acorda-serpente/
Um olho no filme e outro na vida real: CPMI Cachoeira, Rio+20 (a Conferência oficial e a Cúpula dos Povos – que reunirá a sociedade civil organizada), greve das universidades, eleições municipais, o lixo que campeia por todo lado, o aumento de moradores de rua, a violência no campo e na cidade e ainda a crise na Síria. Penso que esta “agenda” já vai dar conta de meu tempo.
Minha querida amiga, vou ficando por aqui, na esperança de que as “boas novas” superem, da próxima vez, as más notícias.

Um axé especial a ti e lembranças à Aninha.

Sua "sempre" aluna e amiga,

Rita Moraes.


[1] Franci Cardoso foi minha professora na Graduação em Serviço Social/UFMA e, desde sempre, uma amiga querida, que estuda hoje no Rio de Janeiro e a quem abracei em agosto do ano passado e que encontro, vez por outra, no Facebook.
[2] Enquanto se lê, dá para ouvir e relembrar a música (ou conhecê-la, os que ainda não tiveram este prazer), bastando clicar no link: http://www.vagalume.com.br/chico-buarque/meu-caro-amigo.html
[3] Nas palavras do crítico musical Tárik de Souza. (contracapa da Coleção CD Chico 50 anos – O político. PolyGram – sem data de edição, talvez, por que eterno e nem lembro quando adquiri...)
[4] Penso ser um dever “histórico” que “compartilhemos” este depoimento, em memória de todos nós.
[5] Igualmente, um texto que fala e cala: http://blogs.estadao.com.br/marcelo-rubens-paiva/valeu/
Para quem ainda não leu, leia também os comentários. E ainda sua ideia sobre a instalação da Comissão da Verdade em http://blogs.estadao.com.br/marcelo-rubens-paiva/2-lados/ quando expõe a foto da faixa “aqui mora o torturador da Dilma – apto.23-A”.
[6] http://www.viasdefato.jor.br  Recomendo a leitura diária obrigatória.
[8] Aqui a Programação com Sinopse dos Filmes: http://www.lumefilmes.com.br/festival2012

2 comentários:

  1. Olá, querida Rita
    Também gosto de cartas bem escritas, poesia,cinema.Portanto,é um prazer renovado apreciar um "cadinho" de você.
    Grande abraço a você e a Franci
    Salviana

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  2. Um beijo, querida Salviana.Grata pela leitura e carinho.

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