Somente
agora, passados alguns dias, vou aqui dizer do que ouvi na palestra de Pedro
Tierra, na 8ª Feira do Livro de São Luís (FeliS), neste mês de novembro, em uma
das salas do Convento das Mercês - observei que a sala era situada ao lado do busto do
ex-Presidente Sarney.
Antes
do início da exposição de Tierra, cumprimentei-o e disse-lhe que seus escritos
construíram parte da minha trajetória como ser humano engajado na luta por
transformação social. Agradeci-o.
Conheci
sua obra nos tempos do movimento estudantil na UFMA, que depois acompanhou-me
na militância sindical e partidária, nas décadas de 80 e 90.
Foi
emocionante ouvir, de viva voz, algumas das histórias que compuseram a sua
vida, na luta por liberdade e democracia, durante os anos de chumbo da Ditadura
Militar, em que foi preso e torturado.
Na
prisão, escrevia no papel do maço de cigarros, que conseguia de todos os
fumantes. Nestes pedaços, compôs muitos de seus belos poemas, alguns dos quais
recitou para a seleta plateia, do seu livro "Poemas do Povo da Noite", que conheci no livreto verde, relançado, anos depois.
Capa atual do livro-Mestre, que o acompanhava naquela noite memorável:
Como fizeram a diferença aqueles papeis de maços de cigarros, enrolados e colocados dentro de canetas Bic, trocadas, a cada interrogatório, com as de seu advogado...
Hilário ouví-lo narrar as reuniões que ocorriam nas celas, em que se encontravam os presos políticos. As intermináveis "análises de conjuntura" que buscavam a realidade sideral para alcançar a situação política no Brasil, fez-me relembrar as, igualmente, intermináveis reuniões e análises de conjuntura dos movimentos estudantil, sindical e partidário de que participei.
Ao final de sua conversa, senti renovados os votos de vida que fiz há muito tempo: dedicar-me para que as pessoas tenham dignidade!
Abracei-o, novamente, emocionada e agradecida!
2014, dos 50 anos do Golpe Civil-Militar, já podia acabar...
2014, dos 50 anos do Golpe Civil-Militar, já podia acabar...
Poema
– Prólogo
Fui
assassinado.
Morri cem vezes
e cem vezes renasci
sob os golpes do açoite.
Meus olhos em sangue
testemunharam
a dança dos algozes
em torno do meu cadáver.
Morri cem vezes
e cem vezes renasci
sob os golpes do açoite.
Meus olhos em sangue
testemunharam
a dança dos algozes
em torno do meu cadáver.
Tornei-me
mineral
memória
da dor.
Para
sobreviver,
recolhi
das chagas do corpo
a
lua vermelha de minha crença,
no
meu sangue amanhecendo.
Em
cinco séculos
reconstruí
minha esperança.
A
faca do verso feriu-me a boca
e
com ela entreguei-me à tarefa de renascer.
Fui
poeta
do povo da noite
como um grito de metal fundido.
Fui poeta
como uma arma
para sobreviver
e sobrevivi.
do povo da noite
como um grito de metal fundido.
Fui poeta
como uma arma
para sobreviver
e sobrevivi.
Companheira,
se
alguém perguntar por mim:
sou
o poeta que busca
converter
a noite em semente,
o
poeta que se alimenta
do
teu amor de vigília
e silêncio
e
bebeu no próprio sangue
o
ódio dos opressores.
Porque
sou o poeta
dos mortos assassinados,
dos eletrocutados, dos “suicidas”,
dos “enforcados” e “atropelados”,
dos que “tentaram fugir”,
dos enlouquecidos.
Sou o poeta
dos torturados,
dos “desaparecidos”,
dos atirados ao mar,
sou os olhos atentos
sobre o crime.
Companheira,
dos mortos assassinados,
dos eletrocutados, dos “suicidas”,
dos “enforcados” e “atropelados”,
dos que “tentaram fugir”,
dos enlouquecidos.
Sou o poeta
dos torturados,
dos “desaparecidos”,
dos atirados ao mar,
sou os olhos atentos
sobre o crime.
Companheira,
virão
perguntar por mim.
Recorda
o primeiro poema
que
lhe deixei entre os dedos
e
dize a eles
como
quem acende fogueiras
num
país ainda em sombras:
meu
ofício sobre a terra
é ressuscitar os mortos
e apontar a cara dos assassinos.
é ressuscitar os mortos
e apontar a cara dos assassinos.
Porque
a noite não anoitece sozinha.
Há
mãos armadas de açoite
retalhando
em pedaços
o
fogo do sol
e
o corpo dos lutadores.
Venho falar
pela boca de meus mortos.
Sou poeta-testemunha,
poeta da geração de sonho
e sangue
sobre
as ruas de meu país.
Sobreviveremos
Perdemos a noção do tempo.
A luz nos vem da última lâmpada,
coada pela multidão de sombras.
A própria voz dos companheiros tarda,
como se viesse de muito longe,
como se a sombra lhe roubasse o corte.
Nessa noite parada sobrevivemos.
Ficou-nos a palavra, embora reprimida.
Mas o murmúrio denuncia que a vitória
não foi completa. Dobra o silêncio
e envia o abraço de alguém
cujo rosto nunca vimos e, todavia, amamos.
Nessa noite parada sobrevivemos.
Sobreviveremos.
Ficou-nos a crença, de resto, inestinguível, na manhã proibida.
Este vídeo abaixo representa bem o que nos
disse sobre a "literatura de denúncia",
de que é um dos mais belos expoentes.
Ele, que ficou preso no Carandiru, dentre outros Presídios, mais tarde, traduz toda a violência de que foram (são) vítimas inúmer@s trabalhador@s brasileir@s:
A pedagogia dos aços
Candelária,
Carandiru,
Corumbiara,
Eldorado dos Carajás...
A pedagogia dos aços
golpeia no corpo
essa atroz geografia...
Há cem anos Canudos,
Contestado,
Caldeirão...
A pedagogia dos aços
golpeia no corpo
essa atroz geografia...
Há uma nação de homens
excluídos da nação
Há uma nação de homens
excluídos da vida
Há uma nação de homens
calados,
excluídos de toda palavra.
Há uma nação de homens
combatendo depois das cercas.
Há uma nação de homens
sem rosto,
soterrados na lama,
sem nome
soterrados no silêncio
Eles rondam o arame
das cercas
alumiados pela fogueira
dos acampamentos.
Eles rondam o muro das leis
e ataram no peito
urna bomba que pulsa:
sonho da terra livre.
sonho vale uma vida?
Não sei. Mas aprendi
da escassa vida que gastei:
a morte não sonha.
A vida vale um sonho?
A vida vale tão pouco
do lado de fora da cerca...
A terra vale um sonho?
A terra vale infinitas
reservas de crueldade,
do lado de dentro da cerca.
Hoje, o silêncio pesa
como os olhos de uma criança
depois da fuzilaria.
Candelária,
Carandiru,
Corumbiara,
Eldorado dos Carajás não cabem
na frágil vasilha das palavras...
Se calarmos,
as pedras gritarão...
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