Ontem, 08 de outubro,
segunda-feira, foi o dia "D". Não, não foi o domingo, dia de
eleições. O país "parou" para assistir à novela "Avenida
Brasil" ("oioioi", como é
identificada no mundo virtual) e ver a Carminha ser
"desmascarada" pelo marido Tufão. Durante meses "todos"
ansiavam por este momento.
(Para quem não assiste - sim, há
os que não estão dentre aqueles "todos - , um resumo do enredo: Carminha traía Tufão
com o cunhado Max, por longos anos, com requintados artifícios. Para esta
crônica, basta que saibam disto.)
Alguns dias antes, na série "Gabriela",
o turco Nacib descobre a infidelidade de sua "cravo e canela".
Talvez, pelo horário tardio em que é exibida, não causou tanta repercussão ou
"audiência".
Tão próximo do período das
eleições, trazer assuntos tratados em um folhetim pode parecer aos mais
politizados uma heresia. "Nem tanto
ao mar nem tanto à terra." Tenho espaço para assistir e comentar tanto
um quanto outro, porque penso que, ambos, guardam sinais de nosso comportamento
humano. Assim mesmo, tudo misturado.
Mas, voltemos à pergunta-título: "Por que Tufão não matou Carminha? E por que
não "matamos" os corruptos?" Ouso levantar algumas hipóteses, as quais
compartilho para estimular a conversa diária, que, certamente, transitará entre
a novela e a eleição.
O que têm em comum o coronel Jesuíno, o turco-comerciante Nacib, o
ex-jogador de futebol-rico-suburbano Tufão e o humilde gari Adauto? TODOS, traídos
por suas mulheres, resolvem suas traições com comportamentos humanos,
misturando nessa humanidade, malvadezas
e generosidades. E, mais, que relação há com corrupção e eleições? De igual modo, traídos
politicamente expressamo-nos na nossa humanidade. Como assim? Vejamos:
Antes, cena da vida real: no noticiário das 7 da noite, na TV
Bandeirantes, assisti, estarrecida e indignada, a mais uma notícia de um homem que matou a mulher e a amiga dela,
porque ela queria se separar e a amiga a estaria influenciando. Para pensar e adotar uma posição.
Mas... voltemos à
"ficção"?!
A audiência da novela foi muito
maior do que a presença às urnas: 80 milhões de expectadores no país (o Maranhão,
incluído). Nosso Estado aparece com a maior abstenção eleitoral: em São Luís,
capital e referência, próximo de 20% de eleitores deixaram de votar.
Tufão não matou Carminha, mesmo? Não, no sentido estrito, com um tiro ou uma facada, embora a tenha ameaçado
em "close" por longos
minutos. Mas a violência física foi abundante. E a violência psicológica,
igualmente, a exemplo de quando o marido traído exigia que confessasse, sob a
tortura de seu olhar ameaçador de "eu
te mato, Carminha", no melhor estilo "policial torturador" do
seriado "Força-Tarefa", protagonizado pelo mesmo ator Tufão.
No mesmo capítulo, Carminha
"pra dar o troco" ante o seu desfavor, "informa" Adauto que
o mesmo era "galhudo",
traído pela mãe do Tufão, com o ex-marido. O que fez Adauto? Trancou-se no
quarto e dando "cascudos" na sua cabeça, "refletiu" sobre o
que acabara de descobrir para, em seguida, decidir por a mochila nas costas e
ir embora, não sem antes dizer: "sou
burro, mas não sou idiota."
Em "Gabriela", narrativa
extraordinária dos nossos "antigos" costumes, do grande Jorge Amado, primeiro o coronel Jesuíno mata a tiros a mulher e o amante; depois, o turco Nacib, ao
descobrir a traição de Gabriela, arma em punho, "não tem coragem"de matá-la.
Um, "lavou a honra", ainda que sinta saudade da mulher e, novamente,
casado, tortura a nova esposa para que se pareça com a primeira; o outro,
consome-se entre o amor que sente e a vergonha de ser conhecido como "corno manso" - aliás, como muitas
vezes, foi chamado Tufão, na narrativa de hoje.
O que têm em comum o coronel Jesuíno, o turco-comerciante Nacib, o
ex-jogador de futebol-rico-suburbano Tufão e o humilde gari Adauto? TODOS, traídos
por suas mulheres, resolvem suas traições com comportamentos humanos,
misturando nessa humanidade, malvadezas
e generosidades. E, mais, relação há com corrupção e eleições? De igual modo, traídos
politicamente expressamo-nos na nossa humanidade. Como assim? Vejamos:
JESUÍNO mata a mulher e o amante;
o turco NACIB, ajudado pela lei, descobre que, se não valeu seu casamento -
porque houve "erro de pessoa" e era muçulmano, não valendo se casar
na Igreja Católica, logo, não era corno, mesmo tendo convivido à vista pública
e vai divertir-se no "Bataclã"; TUFÃO bate em Carminha e a expulsa de
casa, sob as vistas do "Divino" e ADAUTO, sem tocar num fio de cabelo
da amada Muricy, reconhece que ela e o ex-marido é que tem a ver um com o outro
e parte, em sofrimento, para, lá na frente, desenha-se, encontrar um novo amor
nos braços da Olenka.
Não matamos os corruptos, porque não compreendemos, ainda, a força
que temos como sociedade, coletivamente, para transformar a vida que temos. É mais
fácil "resolver" individualmente: "vender" o voto ou mudar
de canal, quando o assunto é política. Se há avanços com a "Lei da Ficha Limpa",
há, ainda, muitos eleitores que "sujam" sua cidadania e um
judiciário-tartaruga. As razões e argumentos para isto são inúmeros e cabe em
outra análise. Fica aqui o registro.
Assistir à novela, como entretenimento
ou como opção "cultural", ou como falta de opção - para quem só tem a
TV como alternativa - no meu caso, como uma opção consciente, pode servir para
muitas reflexões e interações.
Lembro de quando, há 20 anos, em
palestras às gestantes e nutrizes (as mulheres que amamentam), no Hospital Materno
Infantil, como profissional de Serviço Social, utilizava as cenas de novelas
para explicar os direitos das mulheres, porque TODAS sabiam os enredos
completos. Em época, que quase não se falava de "camisinha" ou
"violência doméstica", embora a gravidez precoce e/ou sucessiva, bem
como as violências contra mulheres fossem muito presentes.
Hoje, não raro, assisto TV e, ao
mesmo tempo, acompanho pelo twitter
ou facebook os comentários: tão
espirituosos quanto reflexivos. Alguns comentários de ontem: "Julgamento do mensalão e da messalina";
"na novela, catarse coletiva e perdemos, na eleição, uma baita
chance"; "camisetas da Zezé vão bombar, com os dizeres: bomba, tiro e
desgraça"; "essa fala do Tufão - cachorra, vadia, sem-vergonha - dá
letra de funk"; "torcida pra Carminha apanhar mais"; "cadê a Lei Maria da Penha?".
Outra cena da vida real: no município maranhense de Alexandre
Costa, a população, após o resultado eleitoral, colocou fogo na Prefeitura e em
outros órgãos e equipamentos. Como, em 2008, na cidade de Benedito Leite. Igualmente, para pensar e adotar uma
posição.
Quero lembrar que, neste mesmo dia
08 de outubro, completou 45 anos da morte de Ernesto "Che" Guevara, líder da revolução cubana, referência na luta
pela transformação social. Seus ensinamentos e sua vida, extremada com a violência
da luta armada, nos sirvam de permanente reflexão e farol. Dois de seus
pensamentos mais significativos e que cabem neste texto em que se trata da vida
real, falando de novela e de política:
"Se você é capaz de tremer de indignação a
cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros."
"É preciso ser duro, mas sem perder a
ternura, jamais..."
Há que se fazer escolhas, quando
nos sentirmos "traídos": uns, escolhem "matar"; outros,
recomeçar a vida. Na novela e nas eleições, para ficarmos nos temas do momento,
mas na vida real, penso que podemos, sempre, recomeçar "matando" em
nós a ideia de vingança, optando pela ideia de participação. Sem qualquer
violência! Nem mesmo simbólica!
REPRODUZO COMENTÁRIO FEITO NO FACEBOOK POR
ResponderExcluirMaria Vitória Bouças: "Li o que escrevestes com tanta propriedade, querida Rita Moraes. Quem jamais tremeu de indignação face às injustiças praticadas neste Mundo não fez valer a sua existência. Lembrar Guevara neste momento político nacional é bem adequado. Ele também diz que “os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera inteira”. E é nessa esperança de primavera inteira que eu me alimento. Muitas vezes, querida amiga, temos que decidir só entre o “joio”, pois o “trigo” não se exibe na sua florada dourada e fica perdido nos campos. Um beijo!"
VIA TWITTER, @zemaribeiro:
ResponderExcluir"política, novela, realidade e ficção no comentário sempre lúcido da querida @ritalunamoraes"