Madson Moraes,
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O doutor disse na primeira
ultrassonografia: “Ele está sambando”.
Soube, desde então, que você já carregava o espírito Bossa Nova.
Meu caro Pedrinho,
antes deixe-me pedir desculpas a você.
Já na
ultrassonografia eu confundia o que existia de você.
Quando achava que o
médico mostrava a sua cabeça, eram os braços.
Quando eu achava que
via os braços, enxergava a sua barriga.
Quando, heroicamente
e vencendo as imagens escuras da tela da TV
com minha visão
míope eu acreditava ver a sua barriga olhava,
na verdade, o seu
rosto.
Lembro que o doutor
disse já na primeira consulta da sua existência:
"Ele está
sambando".
Soube, desde então,
que você já carregava o espírito Bossa
Nova.
Bem-vindo.
Você corre um risco tremendo em não
colher manga no pé,
tomar banho de rio e até de ler as
Caçadas de Pedrinho,
do nosso Monteiro Lobato que estão
querendo proibir.
O livro eu guardei, pode ficar
tranquilo. Não, seu nome não veio daí.
A razão é longa e prometo-lhe contar
um dia.
Ah, Pedrinho, é tanta coisa ruim
acontecendo.
Muita gente de bigodes do mal fazendo
bobagem por aí,
escolhendo os verbos de desamor e
destratando
(ou desidratando) as pessoas.
Há crianças que não conseguem
substantivar suas vidas
por conta destas pessoas que olham
apenas seus próprios umbigos.
É, Pedrinho, as coisas por aqui não
andam nada bem.
Mas não é só de umbigo mau que se
vive a vida.
Já chamei minha patota de amigos para,
quando você chegar,
ver que o mundo vale a pena.
Guardei para você na mochila um disco
de um negro porreta
cujo nome, Pixinguinha, até pode soar
engraçado, mas ele canta
minhas dores de amor tão bem na sua
flauta que certamente você vai gostar.
Outro é Vinicius, um poeta gordinho
com uma lábia incrível com as mulheres.
Não dê risadas quando eu, ao violão,
dedilhar músicas e bossinhas curtinhas
para ninar você, para cheirar o
cheirinho do seu sonho.
Ou, então, dormir em cima dos seus
segredos infantis como se fossem meus.
Não se sinta constrangido se eu
encher você de diminutivos e
apelidos carinhosos. Todo pai é bobo
e carente da infância
que nunca pode aproveitar.
Todo pai gostaria de, por um instante, surrupiar a meninice alheia.
Outra coisa que você vai adorar é o
mar que, aliás, anda tiririca da vida,
se agitando para lá e para cá.
Espero levar você, Pedrinho, para
observar Iemanjá
em seus trabalhos de poesia e ondas.
Ah, o mar e as praias rodeadas de
garotas de Ipanemas e nós dois lá,
eu mais velhinho, mais carrancudo,
mais lento, sem tanto fôlego para uma prosa
e você mais atirado, mais danado
e cheio de piropos para as moças que
desfilam na areia.
Daqui de fora já digo, a mulher é
como uma vírgula:
perigosíssima quando mal
interpretada.
Mas não existe gramática
especializada, tampouco dicionário de verbetes
para elas.
Detalhe: antes que você descubra as
poesias de amor do seu pai
guardadas numa gaveta, já adianto que
são várias, pois vários foram os amores,
as dores acumuladas e irresponsáveis,
vários os movimentos e oscilações do
coração
como são as ondas do mar, Pedrinho.
Deixo como herança o poeta que ousei ser
com a gratuidade dos sentimentos
alheios.
Não, não faça esta cara de riso bobo,
Pedrinho.
Como dizia o poeta, há que amar e
calar.
Filhos, filhos, melhor não tê-los?
Quem ousa responder essa pergunta,
meu filho?
Confesso a você que me amedronta a
ideia da sua aparição repentina.
Como pode alguém, tão pequenino, hoje
ainda um grãozinho de vida,
exercer tamanho medo?
Digo a você que não estou preparado
às noites de insônia, de não saber
os motivos da sua tosse, de me
desesperar pela vermelhidão do seu rosto macio,
dos tons roqueiros do seu choro
quando este aparecer,
de quando você beber xampu sem
querer,
da troca de fraldas com minha
desconhecida habilidade para trocas
ou das caretas que devo criar para
você sorrir
nessas mesmas noites de insônia.
Enfim, chegue, pequeno, miúdo, assim
mesmo do jeitinho que Deus pintou.
Traga sua poesia para encharcar esse
mundo carente de lirismo.
Chegue logo para pintar de cores a
alegria na alma.
Com carinho, seu pai.
Madson Moraes, 25 anos, é repórter do Tempo de
Mulher.
Já escreveu críticas de cinema e
passou por revista e redação.
Metido a escritor, atualiza o blog
Românticos Anônimos
www.madsonmoraes.tumblr.com
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