Um "cadinho" de mim

São Luís, Maranhão, Brazil
Rita Luna Moraes Assistente Social e Bacharel em Direito. Servidora pública federal aposentada.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Carta aberta para Pedrinho (do pai para meu sobrinho-neto)


Madson Moraes, http://estilo.br.msn.com/tempodemulher

O doutor disse na primeira ultrassonografia: “Ele está sambando”.
Soube, desde então, que você já carregava o espírito Bossa Nova.

Meu caro Pedrinho, antes deixe-me pedir desculpas a você.
Já na ultrassonografia eu confundia o que existia de você.
Quando achava que o médico mostrava a sua cabeça, eram os braços.
Quando eu achava que via os braços, enxergava a sua barriga.
Quando, heroicamente e vencendo as imagens escuras da tela da TV
com minha visão míope eu acreditava ver a sua barriga olhava,
na verdade, o seu rosto.
Lembro que o doutor disse já na primeira consulta da sua existência:
"Ele está sambando".
Soube, desde então, que você já carregava o espírito Bossa Nova. 
Bem-vindo.
Você corre um risco tremendo em não colher manga no pé,
tomar banho de rio e até de ler as Caçadas de Pedrinho,
do nosso Monteiro Lobato que estão querendo proibir.
O livro eu guardei, pode ficar tranquilo. Não, seu nome não veio daí.
A razão é longa e prometo-lhe contar um dia.
Ah, Pedrinho, é tanta coisa ruim acontecendo.
Muita gente de bigodes do mal fazendo bobagem por aí,
escolhendo os verbos de desamor e destratando
(ou desidratando) as pessoas.
Há crianças que não conseguem substantivar suas vidas
por conta destas pessoas que olham apenas seus próprios umbigos.
É, Pedrinho, as coisas por aqui não andam nada bem.
Mas não é só de umbigo mau que se vive a vida.
Já chamei minha patota de amigos para, quando você chegar,
ver que o mundo vale a pena.
Guardei para você na mochila um disco de um negro porreta
cujo nome, Pixinguinha, até pode soar engraçado, mas ele canta
minhas dores de amor tão bem na sua flauta que certamente você vai gostar.
Outro é Vinicius, um poeta gordinho com uma lábia incrível com as mulheres.
Não dê risadas quando eu, ao violão, dedilhar músicas e bossinhas curtinhas
para ninar você, para cheirar o cheirinho do seu sonho.
Ou, então, dormir em cima dos seus segredos infantis como se fossem meus.
Não se sinta constrangido se eu encher você de diminutivos e
apelidos carinhosos. Todo pai é bobo e carente da infância
que nunca pode aproveitar. 
Todo pai gostaria de, por um instante, surrupiar a meninice alheia.
Outra coisa que você vai adorar é o mar que, aliás, anda tiririca da vida,
se agitando para lá e para cá.
Espero levar você, Pedrinho, para observar Iemanjá
em seus trabalhos de poesia e ondas.
Ah, o mar e as praias rodeadas de garotas de Ipanemas e nós dois lá,
eu mais velhinho, mais carrancudo, mais lento, sem tanto fôlego para uma prosa
e você mais atirado, mais danado
e cheio de piropos para as moças que desfilam na areia.
Daqui de fora já digo, a mulher é como uma vírgula:
perigosíssima quando mal interpretada.
Mas não existe gramática especializada, tampouco dicionário de verbetes
para elas.
Detalhe: antes que você descubra as poesias de amor do seu pai
guardadas numa gaveta, já adianto que são várias, pois vários foram os amores,
as dores acumuladas e irresponsáveis,
vários os movimentos e oscilações do coração
como são as ondas do mar, Pedrinho. Deixo como herança o poeta que ousei ser
com a gratuidade dos sentimentos alheios.
Não, não faça esta cara de riso bobo, Pedrinho.
Como dizia o poeta, há que amar e calar.
Filhos, filhos, melhor não tê-los?
Quem ousa responder essa pergunta, meu filho?
Confesso a você que me amedronta a ideia da sua aparição repentina.
Como pode alguém, tão pequenino, hoje ainda um grãozinho de vida,
exercer tamanho medo?
Digo a você que não estou preparado às noites de insônia, de não saber
os motivos da sua tosse, de me desesperar pela vermelhidão do seu rosto macio,
dos tons roqueiros do seu choro quando este aparecer,
de quando você beber xampu sem querer,
da troca de fraldas com minha desconhecida habilidade para trocas
ou das caretas que devo criar para você sorrir
nessas mesmas noites de insônia.
Enfim, chegue, pequeno, miúdo, assim mesmo do jeitinho que Deus pintou.
Traga sua poesia para encharcar esse mundo carente de lirismo.
Chegue logo para pintar de cores a alegria na alma.
Com carinho, seu pai.
Madson Moraes, 25 anos, é repórter do Tempo de Mulher.
Já escreveu críticas de cinema e passou por revista e redação.
Metido a escritor, atualiza o blog Românticos Anônimos
www.madsonmoraes.tumblr.com

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