Um "cadinho" de mim

São Luís, Maranhão, Brazil
Rita Luna Moraes Assistente Social e Bacharel em Direito. Servidora pública federal aposentada.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

A "Constituição" de 1612

(Em homenagem a um apaixonado por São Luís e que já foi se encontrar com "La Ravardière")
Há alguns anos, no dia do aniversário de São Luís, o "Jornal Pequeno" brindou seus leitores com a publicação de um encarte especial, contendo a versão integral das "Leis Fundamentais da Colônia da França Equinocial". Referido documento histórico hoje é divulgado no site "PatrimôniodaHumanidade.com", na parte dedicada a matérias especiais (www.patrimonioslz.com.br).
Assim como São Luís, também esse texto jurídico, que alguns acreditam ser a primeira Constituição das Américas, estará completando 400 anos em 2012 e, numa extraordinária coincidência do destino, tal efeméride ocorrerá apenas três anos antes da comemoração dos 800 anos da "Magna Carta", da Inglaterra, a primeira Constituição da História da Humanidade.
Esse fato, porém, pode não ter sido assim tão "casual". No livro do Padre Claude d'Abbeville ("História da Missão dos Capuchinhos na Ilha do Maranhão e suas Circunvizinhanças, cuja edição original encontra-se na Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo.), que registra a viagem dos franceses ao Maranhão e a fundação de São Luís, consta que, logo depois de partirem do Porto de Cancale, os três navios comandados por Daniel de La Touche foram surpreendidos por uma violenta tempestade, que quase os levou ao naufrágio, obrigando-os a atracarem em portos ingleses, para reparos.
No período em que lá estiveram, o Senhor de La Ravardière pode ter tomado conhecimento mais detalhado da "Magna Carta" e do valor, da importância que referida Lei tinha para a nação inglesa, quando ela então estava em vias de completar 400 anos de vigência.
Tal circunstância deve ter inspirado o Senhor de La Ravardière, para que elaborasse documento semelhante e fundasse sobre ele a cidade de São Luís e a colônia da França Equinocial, aqui no Maranhão, com a esperança de que esse empreendimento subsistisse por tempo igualmente longo. Tal expectativa, contudo, não se confirmou.       
 Diferentemente das Ordenações Manuelinas Joaninas e Filipinas, que eram elaboradas em Lisboa e em Madri, cabendo aos habitantes da América apenas fingir que as obedeciam, dando origem à hipocrisia e à corrupção que conhecemos tão bem, há fortes indícios de que as "Leis Fundamentais" foram elaboradas aqui, contando com a efetiva colaboração dos caciques das tribos então existentes na ilha de "Upaon-Açu".
A evidência maior desse indício está no fato de que referidas "leis" não foram publicadas no dia em que os franceses chegaram ao Maranhão, no final de julho de 1612, e nem no dia da fundação do Forte de São Luís, em 8 de setembro daquele ano, considerado o dia do aniversário da cidade, mas sim em data posterior, mais precisamente no primeiro dia de novembro daquele ano.
De maneira diversa da "Magna Carta", que foi imposta ou "outorgada" pelos nobres ingeses ao Rei João I, conhecido como "João Sem Terra", como um instrumento para impor limites ao poder dos soberanos, poderíamos especular que talvez referida "Carta Fundamental" possa ter sido a primeira Constituição "Promulgada" da História da Humanidade. Isso porque, como se assinalou acima, ela poderia ter sido elaborada em comum acordo com os caciques das vinte e sete tribos então existentes na ilha de "Upaon-Açu", onde hoje se situam a cidade de São Luís e mais três municípios do Maranhão.
Talvez nunca se possa confirmar tal circunstância, mas fica aqui o registro de que é possível que essa legislação possa merecer tal credencial.
Se, do ponto de vista meramente técnico e jurídico, há dúvidas se ela pode ser considerada uma legislação de Direito Constitucional, tal dúvida desaparece quando se observa que referida lei buscou estabelecer regras para a difícil convivência harmoniosa entre dois povos de culturas tão diferentes, como então eram os franceses e os tupinambás, que iriam conviver num mesmo território. A gênese de um estado binacional, em síntese, ainda que sob a égida da Coroa francesa. Se essa não for uma das razões de ser que caracterizam uma Constituição...
Assim, no "Ano da França no Brasil", merece elogios o trabalho realizado pelo ex-Procurador Geral do estado do Maranhão, Dr. José Cláudio Pavão Santana, que resgatou a "Lei Fundamental da França Equinocial" do esquecimento absoluto a que ela estava relegada, divulgando-a em sua Tese de Pós-graduação perante a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a tempo de se preparar uma celebração digna para o seu Quarto Centenário.
Com o término desse evento diplomático entre França e Brasil, lamenta-se profundamente que não tenha ocorrido a visita do Presidente da França à "cidade brasileira que nasceu francesa", dificultando sobremaneira a divulgação dos 400 anos da fundação de São Luís, na França e até mesmo no restante do Brasil.
Ainda assim, resta-nos a esperança de que essa visita ainda possa ocorrer, numa ocasião futura, para que o Quarto Centenário de São Luís e, também, o Quarto Centenário da "Constituição" da França Equinocial, venham a ser um grande evento comemorativo, entre Brasil e França, fortalecendo ainda mais as relações entre os dois países.
Nesses tempos em que a política brasileira decaiu tanto, como é necessário que a nossa sociedade compreenda que ser "nobre" não é apenas ter um título, um cargo importante, ou muitos bens materiais. "Nobreza" é também a capacidade que se tem para realizar atos de grandeza e de pioneirismo, quando necessário, e de ter respeito para a comunidade onde se vive, para com seus habitantes, suas Leis e sua História.
E como é oportuno ter em mente que um estado ou país não se sustenta apenas em "pessoas importantes", mas também, e principalmente, sobre compromissos essenciais que todos devemos respeitar, do mais humilde dos cidadãos ao mais imprescindível dos governantes.
Esse foi o legado que nos deixou o visionário Senhor de La Ravardière, com as "Leis Fundamentais" da França Equinocial.

Abimael Ferracinni,
escritor maranhense, 
bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é sempre bem-vindo!
Sou favorável à liberdade de opinião.
Logo, não haverá censura!
Valemo-nos, sempre, do bom senso e da ética.